O transporte marítimo global é responsável por aproximadamente 3% das emissões de carbono, segundo a Organização Marítima Internacional (IMO), e as previsões indicam que essas emissões podem aumentar até 250% até 2050 se não forem tomadas medidas eficazes.
Com a crescente pressão por práticas sustentáveis e a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o setor portuário enfrenta o desafio urgente de se alinhar às metas climáticas internacionais. Mas no Brasil, onde 95% das exportações dependem do transporte marítimo, esse cenário representa uma oportunidade estratégica para modernizar o setor e avançar no cumprimento das metas do Acordo de Paris. Portos que adotam medidas de descarbonização não só melhoram seu desempenho ambiental, mas também se destacam como centros de inovação e atraem novos investimentos
Foi nesse contexto que, em março de 2024, surgiu a Aliança Brasileira para Descarbonização de Portos (ABDP), uma iniciativa estratégica e inovadora voltada para a transformação sustentável dos setores portuário e aquaviário.
A ABDP nasceu inspirada pela Alianza Net Zero Mar, uma coalizão de portos espanhóis que, de forma conjunta, tem trabalhado para se adequar às normas de descarbonização da União Europeia e responde a uma necessidade estratégica: unir portos públicos e privados, operadores, empresas de tecnologia, universidades e startups em um esforço colaborativo para promover a inovação, reduzir emissões e transformar o setor portuário nacional.
Desde a sua criação, a ABDP já conta com 53 membros, incluindo portos públicos e privados, empresas de tecnologia e instituições acadêmicas. A iniciativa se consolidou como um espaço democrático de troca de experiências e de soluções práticas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Entre os debates promovidos pela Aliança estão o uso de energias renováveis, como solar e eólica, e o incentivo à adoção de combustíveis alternativos, como o hidrogênio verde. A eletrificação de equipamentos portuários também está no centro das discussões, com o potencial de reduzir significativamente os custos operacionais e as emissões.
No cenário global, essa iniciativa alinha o Brasil às principais tendências internacionais, como as metas estabelecidas pela Organização Marítima Internacional (IMO), que prevê a redução de 30% nas emissões do setor marítimo até 2030 e a descarbonização completa até 2050.
Desafios Globais
De acordo com o “Study on Investment Requirements of Developing Countries for Port Decarbonisation and Adaptation to Climate Change” da International Association of Ports and Harbors (IAPH), os países em desenvolvimento, como o Brasil e a India, enfrentam desafios significativos na transição para operações portuárias mais verdes. Estima-se que até 2050, os investimentos necessários para mitigar os impactos das mudanças climáticas e adaptar a infraestrutura portuária às novas exigências podem chegar a trilhões de dólares. Essa necessidade de capital cria uma barreira importante para muitos países que desejam descarbonizar suas operações portuárias.
Todavia, referido estudo indica que a otimização das operações portuárias e o uso de tecnologias limpas podem gerar uma redução de até 25% nos custos operacionais e diminuir as emissões globais em mais de 200 milhões de toneladas de CO₂. A digitalização e a automação das operações também desempenham um papel central, otimizando o fluxo de carga, reduzindo o tempo de espera de navios e eliminando ineficiências na cadeia logística.
O Brasil tem um diferencial estratégico. O Pacto Global das Nações Unidas, no Framework denominado “Acelerando a Descarbonização Portuária e Marítima no Brasil” destaca a matriz energética brasileira como uma vantagem, com 88% da eletricidade proveniente de fontes renováveis. Isso colocaria o país em uma posição privilegiada para a transição a energias limpas no setor portuário, especialmente com o potencial de gerar energia solar e eólica em larga escala. Isso significa que a eletrificação dos portos brasileiros pode gerar uma redução significativa nas emissões, além de melhorar a eficiência operacional e reduzir os custos com combustíveis fósseis.
A descarbonização não é apenas uma exigência ambiental, mas também uma oportunidade econômica significativa para o Brasil. O relatório da IAPH sugere que portos que adotarem práticas sustentáveis poderão melhorar sua competitividade global e atrair mais investimentos. O acesso a financiamento climático e a possibilidade de se tornarem hubs de energia limpa estão entre as principais vantagens para os portos brasileiros
O papel da Aliança na jornada para descarbonização
Para os portos e empresas que fazem parte da ABDP, os benefícios são claros. Além de estarem na vanguarda das práticas ESG, os membros da Aliança têm acesso a tecnologias inovadoras, capacitações técnicas e a possibilidade de participar de workshops e visitas técnicas que ampliam o conhecimento sobre descarbonização.
Em 2024, a ABDP, em parceria com a Fundación Valenciaport da Espanha, ofereceu o primeiro curso de Certificação Internacional em Transição Energética e Descarbonização de Portos. Essa oportunidade permitiu que profissionais do setor obtivessem uma visão global sobre as melhores práticas para a redução de emissões e o uso de tecnologias limpas e tem previsão de lançar novas edições e turmas a cada ano.
Outro benefício é a criação do Programa Pró-Clima, que concede selos de maturidade em descarbonização aos portos que atingem metas definidas. Esses selos — Bronze, Prata, Ouro e Diamante — validam os esforços de sustentabilidade dos portos, reforçando seu compromisso com práticas de ESG (Ambiental, Social e Governança) e atraindo a atenção de investidores. Estima-se que fundos de investimentos focados em práticas ESG movimentaram mais de US$ 35 trilhões em 2020, e essa tendência continua em crescimento, o que torna os portos alinhados à descarbonização ainda mais competitivos.
Estudos apontam que a eletrificação de equipamentos portuários pode reduzir os gastos com combustível em até 50%, além de diminuir significativamente os custos de manutenção. Esses ganhos operacionais, somados à melhora na imagem e à atração de novos negócios, posicionam os portos brasileiros para competir de forma mais robusta no cenário global.
A Aliança também atua como um facilitador no diálogo com o setor público e privado, visando destravar financiamentos climáticos e promover o acesso a tecnologias de ponta. Além disso, a ABDP já está envolvida em debates estratégicos sobre o futuro das políticas públicas para a descarbonização, como o Encontro de CEOs pela Descarbonização, que será realizado em novembro de 2024, em Suape (PE).
Portos que liderarem o caminho da descarbonização não apenas contribuirão para um futuro mais limpo, mas também se destacarão como hubs de inovação e sustentabilidade, atraindo investimentos e consolidando o Brasil como uma referência internacional. À medida que o setor portuário global avança rumo a uma operação mais sustentável, o Brasil está se posicionando como um protagonista nesse movimento.
A criação de corredores verdes, rotas marítimas com zero emissões, também está no radar da ABDP. Esse conceito, já implementado em outras partes do mundo, promove a construção de infraestrutura portuária voltada para a descarbonização e reduz o impacto ambiental do transporte marítimo. No Brasil, esses corredores podem não apenas reduzir as emissões, mas também transformar os portos em hubs de inovação, atraindo novos negócios e fortalecendo o comércio internacional. A intenção é interconectar os portos e terminais que fazem parte da Aliança com incentivos exclusivos para embarcações com melhor desempenho ambiental.
Para o futuro, a ABDP continuará a expandir suas atividades. Estão em planejamento a promoção de mais capacitações nacionais e internacionais para os seus membros, novas parcerias para descontos em serviços e produtos voltados ao desenvolvimento de soluções que atendam às necessidades de descarbonização do setor portuário e parcerias com órgãos oficiais de normas técnicas para elaboração de normas orientativas de ações de descarbonização no setor.
O apoio à inovação e parcerias estratégicas, buscando facilitar o acesso a financiamentos climáticos é também uma meta da Aliança. Com a criação de hubs de energia renovável (powershoring) e a adoção de combustíveis alternativos, o Brasil tem a oportunidade de se consolidar como um ator relevante na transição energética global, gerando impactos positivos não apenas para o meio ambiente, mas também para a economia.
A Aliança visa ainda colaborar na construção de políticas públicas que apoiem a descarbonização do setor. O envolvimento do Brasil nesse movimento global pode posicionar o país como modelo de inovação e desenvolvimento sustentável no setor portuário, atraindo investimentos e criando empregos.
A ABDP é um exemplo de como a colaboração pode acelerar a transição para uma economia de baixo carbono no setor portuário, oferecendo uma plataforma para que portos e empresas liderem a descarbonização, beneficiando-se de tecnologias inovadoras e do apoio de iniciativas globais.
A cooperação entre portos, empresas de tecnologia e órgãos governamentais será fundamental para garantir que o Brasil aproveite plenamente as oportunidades emergentes no campo da sustentabilidade. À medida que mais portos adotam práticas sustentáveis e investem em inovação, as emissões são reduzidas e a eficiência operacional aumenta. Além dos benefícios ambientais, os portos que liderarem o processo de descarbonização estarão em melhor posição para atender às demandas internacionais, garantindo sua competitividade no comércio global.
O setor portuário brasileiro está se transformando. A descarbonização não é apenas uma resposta às exigências ambientais, mas também uma estratégia para garantir o crescimento sustentável do país nas próximas décadas.
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